Toda a apresentação musical, seja ela na igreja ou em outro ambiente, está sujeita a três diferentes dimensões ou ênfases. Cada uma destas dimensões define como será a experiência do ouvinte ao se relacionar com a música apresentada. A experiência musical, sensorial e emocional.
A experiência musical
Na dimensão musical busca-se a perfeição na experiência da audição. Os melhores músicos são recrutados – aqueles que são capazes de executar a música da melhor forma possível. O ambiente é silencioso, para que se possa ouvir tudo perfeitamente. O equipamento de som e os instrumentos são de alta qualidade, garantindo que a execução da música possa ser apreciada sem ruídos ou interferências indesejadas.
A palavra-chave é música.
O melhor exemplo de uma experiência baseada na dimensão musical é a audição de um concerto apresentado por uma orquestra. Os instrumentos são sempre os melhores, em alguns casos muito antigos e caríssimos, mas com um som maravilhoso. O ambiente é construído para garantir que ele seja favorável à audição. Os melhores músicos são contratados, e entre as audições treinam à exaustão a execução dos trechos mais difíceis das músicas. A quantidade de instrumentos de cada naipe é a ideal para garantir o equilíbrio entre todos os timbres. Quando há um coral, cada um dos cantores é especialista em sua voz. A postura é perfeita para que o som seja projetado de forma eficiente.
A experiência sensorial
Na dimensão sensorial o objetivo é levar o espectador a algo mais do que uma audição musical – uma imersão completa na apresentação. Usa-se, além da audição, a visão e possivelmente o tato (pela pressão sonora). É necessário impressionar o ouvinte, chamar a sua atenção à execução, usando um novo timbre, uma nova frase musical, quem sabe um arranjo diferente. Os músicos são responsáveis por atrair os olhares. A luz adequada é essencial para manter os olhares voltados para o palco, onde tudo é executado.
A palavra-chave é performance.
A dimensão sensorial pode ser exemplificada em um concerto de rock. A palavra show talvez seja mais adequada, pois trata-se de algo além da música, envolvendo luz e cores, não somente na direção do palco mas em todo o ambiente. Busca-se uma experiência completa. Isso explica porque é um ambiente muitas vezes envolvido em álcool e drogas – busca essa experiência além do que seria possível, o que as drogas permitem. Os músicos executam uma performance, e a presença de palco é a essencial para o sucesso. Os telões mostram em detalhes a execução dos instrumentos, enquanto as luzes são usadas para destacar o que é mais importante em cada momento do show.
A experiência emocional
Nesta dimensão trabalha-se com o interior. Desperta-se e amplifica-se os sentimentos, que podem ser de alegria, aceitação, pertencimento, ou talvez até tristeza e revolta. O que você sente é mais importante do que o que você sabe. O objetivo é fazer com que cada um sinta algo diferente, forte, lá de dentro. Alguma coisa que só pode ser conseguida neste momento, neste local.
A palavra-chave é emoção.
Há dois bons exemplos para a dimensão emocional. Um deles é a execução do hino nacional brasileiro em partidas oficiais de futebol da nossa seleção. As pessoas cantam com força, naquele raro momento em que estão dispostos a morrer pela Pátria. Em posição de sentido ou com a mão no peito ignoram o fato de que a gravação tem apenas a primeira estrofe do hino, e prosseguem cantando ainda mais forte, como a desafiar o play-back que as mandou parar. Aplausos e lágrimas ao final.
O outro bom exemplo é ir atrás de um trio elétrico. O importante é a felicidade, é sentir o clima, participar, pular, suar. A letra da música não é relevante, nem os instrumentos em si (aliás, o som é horrível), mas o fato de estar lá, sentindo aquela alegria proporcionada pelo ambiente, o calor, o suor. A música é feita para alegrar, estimular os sentidos, induzir à histeria, terminando com um beijo roubado de quem estava ao lado na hora em que a vontade de beijar apareceu. Emoção contínua.
Buscando o equilíbrio impossível
Quando pensamos no momento de cânticos em um culto, o chamado “louvor”, estas três dimensões também estão presentes. E há um esforço consciente para conseguir o melhor resultado em cada uma delas:
- A busca da execução musical perfeita, com ensaios semanais para evitar erros nas entradas. Atenção ao equipamento de som para garantir a audição perfeita, e o uso dos melhores instrumentos disponíveis. Cuidado com a afinação.
- Adiciona-se a dimensão sensorial pelo uso de luzes que destacam o líder, ou o solista. O solo de guitarra – quase obrigatório – aparece no telão. O líder tem que saber conduzir o momento de louvor e manter o clima “para cima”. Não é qualquer música que serve – apenas aquelas que “levantam a galera”.
- A dimensão emocional vem nas letras adequadas, que falam dos sentimentos, ou daquilo que se deseja e não se tem. Uma modulação no momento certo eleva o nível emocional, que é complementado por uma ministração rápida (ou não) entre cada música.
Dependendo do seu perfil pessoal, ou da sua história de vida e igrejas por onde já passou, você tem a tendência de valorizar uma destas dimensões em detrimento das outras. Pode até rejeitar totalmente uma delas, considerando isso como mundanismo ou secularismo. Na maioria das comunidades, a discussão sobre a relevância de cada uma destas dimensões é inevitável e interminável.
Como é essa discussão na sua igreja?
O grande desafio do líder de louvor é conseguir equilibrar todas estas forças que tentam influenciar o momento de cânticos. Dependendo dos recursos financeiros e humanos, é possível se alcançar um bom índice em mais de uma destas direções, mas inevitavelmente alguém sairá contrariado.
A importância que cada dimensão tem na sua igreja vai definir a escolha das músicas, dos músicos, dos cantores, dos líderes de louvor, dos instrumentos, dos equipamentos. Vai definir o uso do seu orçamento: Investir em um equipamento de som melhor ou em um palco maior? Luzes especiais são necessárias? Mais um telão? O que interessa afinal?
O equilíbrio é possível? Eu acredito que não. Mas proponho um olhar para outra dimensão: a dimensão espiritual.
Neste momento eu aposto que você perdeu o interesse por esse texto. “É claro que a dimensão espiritual é considerada, afinal estamos em uma igreja, onde tudo é feito e decidido debaixo de oração. Os músicos oram antes e depois do culto, e sabemos que nenhum deles está em pecado para não impedir o fluir do Espírito no culto”. Acredito.
Proponho que a dimensão espiritual seja a primeira, e não a complementar. Na verdade ela não concorre com as outras três, e é superior a todas.
A dimensão espiritual é baseada em pessoas, baseada na ministração de vidas, em permitir que Deus fale às pessoas através da música executada. Isso só pode ser alcançado por pessoas que estão dispostas a ser usadas por Deus na vida dos que estão ao seu redor, que entendem que são instrumentos de Deus para ministração.
Exemplificando: como um músico é escolhido para tocar na celebração de sua igreja? Provavelmente você observa se ele tem um nível suficiente de preparo musical, e em seguida um nível suficiente de preparo espiritual. Ou seja, procura-se um bom músico e procura-se garantir o seu nível espiritual.
Sugiro que se busquem pessoas reconhecidas na comunidade por seu relacionamento com Deus, e que se dê a elas o preparo musical adequado e suficiente para a ministração. A dimensão espiritual passa a ser a primeira.
É claro que com isso você não terá os melhores músicos, nem as melhores vozes, ou a melhor condução do momento de cânticos. Mas pense como seria se você pudesse ter certeza de que cada pessoa que está à frente está totalmente comprometida em ser bênção na vida da comunidade naquele momento e agora, sob a condução do Espírito Santo, fazer um solo de guitarra, ministrar entre as músicas, alcançar aquela nota mais aguda.
A dimensão espiritual só pode ser alcançada por pessoas que veem essa como a principal dimensão. Todas as outras dimensões, se houverem, serão consequência da condução do Espírito Santo, que não depende de nenhum recurso material para se revelar e falar à vida das pessoas. Ele depende apenas de servos que estejam dispostos a serem usados não à sua própria maneira, mas sim como o Espírito quer.
Deus tem algo para nós acima das três dimensões humanas. A dimensão espiritual. Vamos buscá-la.
Sugestão de leitura adicional: Why a Synthesizer Isn’t the Holy Spirit, de Bob Kauflin. 😀
4 de agosto de 2016
Excelente texto. Além de abordar muito bem as 3 dimensões, percebidas em nossas igrejas, com exageros de desequilíbrio crescentes, aborda aquilo que é importante, o que deveria ser o foco principal no louvor. Não para q o relacionamento com Deus seja focado em detrimento da busca da excelência nas questões técnicas e de execução do louvor, mas para q esse relacionamento profundo possa balizar, dirigir e liderar todo o resultado. E nós direciona para um outro aspecto que parece estar crescendo em meio às igrejas (amém por isso) – capacitação de lideres! ! Parabéns!